O paradoxo do cansaço da mulher

Tenho recebido cada vez mais mulheres na clínica. Mulheres cansadas. Será que é porque eu também estou cansada? Procuro olhar junto com elas para suas rotinas diárias, suas responsabilidade e, sim, já sabemos.. é muita coisa.

Como psicoterapeuta, busco investigar as crenças que as fazem pensar que tudo é responsabilidade delas.. de fato, como gênero, somos ensinadas a sermos cuidadoras primárias dos filhos e de casa. É um recorte quase que universal, assunto do qual falo com certa “autoridade” de quem já viveu em 4 países diferentes. 

Além de termos o exemplo dentro de casa (geralmente, as mães são as cuidadoras primárias da casa), vemos esses exemplos em filmes, em propagandas… em quase todo lugar. Assim, é quase óbvio que as mulheres, quando constituem famílias, venham a se sentir responsáveis por (quase?) todos os cuidados da casa e da família.

Como Simone de Bouvoir anunciou na década de 40 – nós não nascemos mulheres, nos tornamos mulheres, por meio da internalização dos símbolos e das práticas culturais que definem o ser mulher.

Ao longo do processo de terapia, questiono junto com minhas clientes o que pode ser flexibilizado, quais as tarefas são delegáveis, quanto de auto-cuidado elas estão proporcionando  a si mesmas.. o quanto a auto-exigência vêm de uma imagem criada/reconstruída diariamente do que é ser uma boa esposa/mãe/profissional/filha/amiga/irmã… a lista de papéis é sempre bem extensa.

Recentemente, algo tem me feito refletir… e aqui compartilho essa reflexão: até que ponto ajudar essas mulheres a não estarem mais tão cansadas é benéfico? Será que o cansaço delas não é justamente o ato de revolta necessário para abalar o sistema? Quanto mais mulheres cansadas, exaustas tivermos, mais as tarefas ditas femininas terão de ser realizadas pelas parcerias, pois, se elas não podem realizá-las, quem as vai realizar?

Lembrei de um trecho do filme “Bad Moms” em que uma mãe de 4 filhos revela para as amigas: “vocês nunca tiveram o sonho de serem atropeladas, um atropelamento leve, só para par poder ficar uns 4 dias no hospital, sendo cuidadas diariamente por enfermeiras atenciosas, sem precisar cozinhar, lavar, arrumar casa e criança”? Quando vi essa cena, eu dei risada, mas entendi perfeitamente o desejo dessa mulher. 

Na cena, as amigas a olham com certo estranhamento, mas todas entendem a necessidade que essa mulher está expressando: a necessidade de ser VISTA, de ser cuidada e abastecida emocionalmente. 

Assim, entendo que um dos objetivos aos quais mais tenho buscado me dedicar na terapia individual à mulheres é o de questionar a necessidade de “dar conta de tudo”, de “equilibrar os pratos”, de ser “Mulher Maravilha”! Às vezes, é importante deixar alguns pratinhos caírem para que outras pessoas ao seu redor percebam que também são capazes de equilibrá-los!  Na verdade, precisam equilibrá-los para o bem-estar de todo o sistema. 

Assim, o cansaço feminino deve ser visto como uma grande oportunidade de percebermos com clareza que o custo dessa imagem de Super Mulher e insustentável no longo prazo e de não deve ser cultivado. Não deve mais ser um elogio ouvir “nossa, você dá conta de tudo”, pois esta mulher que dá conta de tudo está exausta e, quase certamente, está negligenciando seus cuidados pessoais em prol do cuidado de outros. Não há nada de ruim em cuidar da família e se dedicar àqueles a quem se ama! Só não podemos nos negligenciar a ponto de ficarmos exaustas, doentes e incapazes de fruirmos da vida com a alegria e a leveza a que todas temos direito!